sábado, 18 de abril de 2020

Carlota de Matanzas

Chamaram-lhe Carlota à chegada a Cuba. No leilão onde a venderam foi esse o nome registado. Chegou ainda criança vinda da Nigéria. Separam-na da mãe e seguiu para a Matanzas. Foi escrava de casa, mas porque indisciplinada puseram-na no campo a cortar cana. Os braços e as pernas fortaleceram-se e a vontade fez-se de pedra dura. No verão de 1843, ouviram-se os tambores perto de Matanzas, estava aquele calor húmido e luminoso do verão caribenho onde apenas as noticias corriam rápidas e onde tudo o resto parecia acontecer devagar. Os tambores batiam mensagens de liberdade e de luta. Foram os tambores que comunicaram às pessoas escravizadas nas fazendas o que fazer. Organizar e lutar ou então morrer. Lutar ou continuarem mortos a trabalhar nos engenhos de açúcar. As catanas que em Cuba se chamam machetes deviam deixar de cortar cana e passarem a cortaram as correntes, no caminho percorrido entre a escravidão e a liberdade teriam de se cortar também algumas cabeças. A revolta alastrou-se por várias fazendas. De Agosto entrou-se em Setembro e o grupo de auto-libertados cresceu. Em Outubro corriam boatos de ataques eminentes e todas as fazendas. Os administradores fugiram para Havana com as famílias, contratam mercenários e os capatazes armavam-se ainda mais. Foi a 5 de Novembro desse ano de 1843 que em Triuvirato, os homens voltaram as facas de cortar cana contra os seus carcereiros. A fazenda de Triunvirato, propriedade da empresa Triunvirato, era das maiores unidades de produção de cana de açúcar das Caraíbas. Hora e meia depois do por do sol daquele domingo 5 de Novembro de 1843, o voz dos tambores mais uma vez suou nas barracas onde os escravizados viviam. Os tambores diziam que estava na hora de de afiaram os machetes. Chega de parar de cortar cana, diziam os tambores!!! Quando os tambores anunciaram a liberdade, a Carlota dançou. Quando os capatazes correram como ratos assustados, a Carlota sorriu. Quando os homens armados de espingardas e pistolas começaram a matar indiscriminadamente para recuperarem a fazenda e esmagar a revolta, a Carlota lutou. Menos de uma hora após o inicio dos combates já Carlota dirigia as operações através da Casa-grande. Era preciso alargar a liberdade às outras fazendas à volta. Após o sucesso de Triunvirato, caiu a fazenda de Acana. Várias centenas de trabalhadores rurais escravizados rebeldes se juntaram à luta. Continuaram os tambores a cantar a liberdade. A Carlota que não tinha razões para ficar em Triunvirato. Seguiu para a fazenda de Santa Ana, depois Guanábana e Sabanilla del Encomendador. O exercito de homens livres dispostos a tudo continuou a avançar. Seguiram para as fábricas de açúcar, caíram então os engenhos Concepción, San Lorenzo, San Miguel, San Rafael. Depois, foram os os cafezais e fazendas agropecuárias da zona de Matanzas. Mais tarde seria Havana, cantavam os tambores de pele batida. Quando os tambores se começaram a ouvir no Paseo do Prado, o os comerciantes ricos e burgueses do Vedado rezaram por um milagre. Rezaram, juntaram dinheiro e mandaram telegramas assustados e alarmistas. Esperaram algumas semanas e o milagre chegou fardado, de botas cardadas a cheirar a tabaco e a suor que é como cheiram as camaratas dos soldados. Porque o medo do contagio das revoluções, torna os adversários em sócios e transforma os vizinhos em aliados, vinda de Miami, chegou ao porto de Havana uma corveta da Marinha de Guerra dos Estados Unidos da América. Vandalia assim se chamava a embarcação. Ao comando, o contra-almirante Chaucey, portador de “um ofício” de Washington, que afirmava que Cuba podia contar com a ajuda do governo dos Estados Unidos para esmagar a revolta dos “afro-cubanos. A seguir, já perto de Matanzas desembarcaram mais soldados. Avançaram pois os gringos dispostos a desfazer a tiros de canhões aqueles escravos que não conheciam o seu lugar. Por estradas lamacentas daquele outono molhado seguiram cantando e rindo. Os soldados americanos e os seus canhões a darem caça à Carlota e ao seu exército de pés descalços. O combate foi tão desigual quanto sangrento. Não era só o numero de soldados que seria três vezes mais que os revoltosos, era também o equipamento, as armas a alimentação. Os revoltosos estavam nas matas há semanas a comer o que apanhavam... Os soldados foram alimentados pelas empresas que esperavam recuperar os seus campos para retomarem a produção. O inevitável aconteceu, após os primeiros confrontos, capturaram a Carlota viva. Interrogaram-na para que denunciasse onde e se escondiam e quantos eram os outros revoltosos. A Carlota não disse nada. Pouco familiarizado com os métodos de interrogatório modernos, o capitão que conduzia as operações no terreno, decidiu amarrar as pernas e os braços da Carlota a mulas e por os animais a puxar cada um para seu lado. Para ver se desatavam o nó do segredo. A mulas despedaçaram o corpo da Carlota, mas a sua vontade de calar permaneceu intacta. O levante de Triunvirato estava definitivamente esmagado. No entanto, o segredo que Carlota conseguiu guardar com a própria vida, permitiu a alguns revoltosos chegarem ao pantanal de Zapata. Foi nesses terrenos pantanosos e inóspitos, sem interesse para a industria açucareira nem para a produção de café que muitos homens e mulheres encontraram refugio. Construiriam uma comunidade alargada na zona das grutas del Cabildo. Um grupo grande e disperso de gente pobre a viver com o que a terra e o mato lhes dava. Mas uma comunidade de pessoas livres. E não há dinheiro que pague a liberdade.